Pelo direito à imaginação

Delirar é preciso

Atualizado 22/02/2022

O escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, autor do livro As Veias Abertas da América Latina e reconhecido pelo Prêmio Internacional dos Direitos Humanos em 2006, escreveu um poema intitulado Direito ao Delírio. No texto, o autor vislumbra um mundo utópico. Vamos ler um trecho?

Que tal fixarmos nossos olhos mais além da infâmia
Para imaginar outro mundo possível?
Serão reflorestados os desertos do mundo
E os desertos da alma
Ninguém morrerá de fome
Porque ninguém morrerá de indigestão.
As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo
Porque não existirão crianças de rua.
As crianças ricas não serão como se fossem dinheiro
Porque não haverá crianças ricas.
A educação não será privilégio daqueles que podem pagá-la
E a polícia não será a maldição daqueles que podem comprá-la
A justiça e a liberdade, irmãs siamesas
Condenadas a viver separadas
Voltarão a juntar-se, bem agarradinhas,
Costas com costas.
Seremos compatriotas e contemporâneos
De todos o que tenham
A vontade de beleza e vontade de justiça
Tenham nascido quando tenham nascido
Tenham vivido onde tenham vivido
Sem importarem nem um pouquinho
As fronteiras do mapa e do tempo.
Seremos imperfeitos
Porque a perfeição continuará sendo o aborrecido privilégios dos deuses
Seremos capazes
De viver cada dia como se fosse o primeiro
E cada noite como se fosse a última.

Ficção Social

“Se nós imaginarmos hoje o mundo que nós queremos, este vai ser o mundo que vamos criar”. – Muhammad Yunus

Esse é o conceito básico por trás da ficção social, teoria criada pelo economista Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006, que ficou conhecido como “pai do microcrédito e dos negócios sociais”.

Com o olhar atento ao seu entorno, Yunus notou várias pessoas em situação de extrema pobreza ao redor da universidade onde lecionava em Bangladesh. Por meio do diálogo e da escuta ativa, foi buscando maneiras de ajudá-las no seu dia a dia. Assim, ele descobriu que haviam agiotas no vilarejo que exploravam e mantinham as pessoas em um ciclo de pobreza.

Buscando maneiras de mudar essa realidade, ele começou a emprestar dinheiro para essas pessoas em situação de vulnerabilidade, em sua maioria mulheres. Em menos de dez anos, seu projeto cresceu e gerou a fundação de um banco, o Grameen Bank, e de uma rede de empresas que ofereciam empréstimos.

O impacto na redução da pobreza do país do sudeste asiático foi marcante, provocando uma queda de 50% entre 1990 e 2010, segundo dados da ONU. Com a sua ousadia em sonhar com o mundo que queria, Yunus planejou um trajeto prático para chegar até seu objetivo.

Para que uma verdadeira revolução social aconteça, o economista acredita que é por meio da tecnologia que conseguiremos promover uma mudança efetiva na nossa sociedade e enxerga na ficção científica as lições para que possamos chegar em um modelo socioeconômico ideal. Para ele, histórias fantásticas mostram quais direções podem ser seguidas e quais devem ser evitadas, tomando como exemplo tramas distópicas.

Distopias também são exercícios de imaginação de mundos, realizados pela humanidade há muito tempo. Porém, se as utopias são ficções idealistas, as distopias são pessimistas e projetam sociedades assustadoras, partindo de estruturas sociais e políticas do nosso tempo. Ou seja, as distopias exploram os perigos do presente, exagerando e ampliando seus riscos para imaginar o futuro.

Obras de ficção distópicas podem nos alertar sobre o futuro que estamos criando. Afinal, segundo Yunus, “a ficção científica é sempre seguida pela realidade.”

Seres humanos são criadores. Imaginar futuros nos permite projetar e encontrar caminhos para que possamos construir novas realidades, abraçando nossas potências para solucionar problemas e desafios que enfrentamos coletivamente.

A Consultora de Beleza Natura Mara Ester é um exemplo de alguém que não para de sonhar. Engajada pela ideia de que as mulheres do seu entorno tivessem autonomia financeira, ela organizou o projeto Mãos Criativas que impactou profundamente a sua comunidade em Hortolândia, no interior de São Paulo. Confira a sua história de mobilização inspiradora aqui.

Referências:

  1. Ficção social, afrofuturo e a importância de projetar o mundo que queremos, texto publicado pelo Valkirias, em 04 de junho de 2020.
  2. O Banqueiro dos Pobres Crê que a Ficção Científica Pode Tornar o Mundo Melhor, por Felipe Maia na Vice, em 07 de maio de 2015.
  3. Muhammad Yunus: Create Social Fiction [Muhammad Yunus: Crie Ficção Social, em tradução livre], vídeo em inglês, publicado no YouTube pelo canal Skoll.org, em 11 de novembro de 2013.
  4. Conheça 5 livros da obra de Eduardo Galeano, texto por Vanessa Martina Silva, publicado no site Opera Mundial

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